Torcicolo congênito de causa ocular - Paralisia do músculo oblíquo superior

 

O termo paresia é usado quando existe lesão parcial do nervo troclear (IV nervo), com enfraquecimento do músculo oblíquo superior (OS). Em caso de lesão total ou perda completa da ação do oblíquo superior usa-se o termo paralisia.  Como o reto inferior é o principal depressor no campo medial e lateral, torna-se às vezes difícil determinar se há lesão total ou parcial do IV nervo. A paralisia do OS é a mais freqüente das paralisias dos músculos extra-oculares diagnosticado pelos oftalmologistas.  

 

As paralisias do músculo oblíquo superior (OS) podem ser congênitas ou adquiridas. A paralisia congênita possui uma série de características clínicas que a distingue da paralisia adquirida.  As principais são:

  • Início precoce;
  • Ausência de um fato precedente que possa ter causado a paralisia (ex. trauma);
  • Torcicolo, que geralmente é mais acentuado do que nas paralisias adquiridas;
  • Assimetria facial, relacionada ao torcicolo;
  • Ambliopia;
  • Amplitude de vergência fusional vertical aumentada.

 

As causas de paralisia congênita do OS parece ter relação principalmente com anomalias envolvendo músculo, tendão (inserção anômala, aumento de tamanho ou ausência) e da tróclea. A causa neural, da paralisia congênita, é menos provável que ocorra. Alguns autores, baseados nas alterações anatômicas do OS, propuseram uma classificação específica para este tipo de paralisia. O tese de dução forçada com o objetivo de pesquisar um possível tendão frouxo do OS ou até mesmo uma ausência de tendão 8 e a vergência fusional vertical também servem como auxílio no diagnóstico diferencial entre a paralisia congênita e adquirida.

 

A paralisia adquirida do OS é causada principalmente por traumatismos crânio-encefálicos. Outras causas como: tumores, hematomas, meningite, alterações vasculares secundárias à hipertensão arterial ou diabetes, apesar de menos freqüentes também podem ocorrer.   

 

Avaliação clínica:

 

O músculo oblíquo superior é um abaixador, intorsor e abdutor, portanto sua deficiência causará hipertropia do olho acometido com diplopia vertical em posição primária do olhar (PPO), deficiência do abaixamento em adução, extorção ipisilateral  e esotropia no olhar para baixo (anisotropia em V, principalmente nas paralisias bilaterais).  Como posição compensatória poderá ocorrer o torcicolo para correção da diplopia.

 

O torcicolo é o sinal típico da paresia do oblíquo superior, podendo em alguns casos ser confundido por ortopedistas como torcicolo cervical. Nas paralisias congênitas a inclinação da cabeça ocorre desde pequeno, podendo ser comprovada por fotos ou relatos de familiares e, geralmente, sem acompanhamento de um aumento significativo da capacidade fusional.

 

Testes diagnósticos:

 

Nos casos de desvios verticais, o comprometimento dos músculos ciclo-verticais (retos superiores e inferiores e oblíquos superiores e inferiores) devem ser avaliados. A medida do desvio nas nove posições do olhar, além das medidas com a cabeça inclinada (manobra de Bielschowisky) para o lado direito e esquerdo são fundamentais no diagnóstico diferencial. Nos casos de paralisias dos músculos extra-oculares, geralmente o desvio torna-se máximo no campo de ação destes músculos. Exceto quando existe hiperfunção do antagonista ou contratura de outro músculo extra-ocular. Portanto, nas paralisias do oblíquo superior direito ocorrerá hipertropia do olho direito, que aumentará no olhar para esquerda (campo de ação vertical do OSD) e com a cabeça inclinada para o ombro direito (impossibilidade do OSD fazer a intorção e abaixamento compensatórios associada à elevação pelo RSD normal).

 

Algumas vezes as medidas nas 9 posições do olhar e com a cabeça inclinada não são suficientes para se fazer o diagnóstico. Nestes casos, a manobra de Bicas deve ser realizada.

 

Outro achado freqüente é o deslocamento inferior da mácula em relação à papila óptica, causada pela extorção do olho acometido. 

 

As paralisias bilaterais do OS possuem características importantes como:

- o desvio vertical pode ou não estar presente na PPO;

- ocorre a inversão da hipertropia nos olhares laterais ou em alguma posição

terciária;

- esotropia no olhar para baixo, caracterizando uma anisotropia em “V”.

 

 

Classificação:

 

Uma das classificações mais utilizadas é a sugerida por Philip Knapp em 1973. Ele classificou as paralisias de oblíquo superior em 7 classes:

 

-Classe 1

   O desvio é maior no campo de ação do antagonista (oblíquo inferior) ipsilateral.

-Classe 2

   O desvio é maior no campo de ação do oblíquo superior parético ou paralítico.

-Classe 3

   O desvio é maior no olhar para cima, especialmente no campo de ação do 

    oblíquo inferior.

-Classe 4

   O desvio é maior no olhar para baixo, especialmente no campo de ação do 

    oblíquo superior parético.

-Classe 5

   O desvio é maior no olhar para baixo, especialmente no campo de ação do reto

    inferior (possivelmente devido a contratura do reto superior ipsilateral).

-Classe 6

    Paralisia bilateral, freqüentemente associada a esotropia no olhar para baixo e   

    diplopia torcional quando a paralisia é adquirida.

-Classe 7

    Paralisia associada a limitação de elevação em adução ipsilateral, secundária a

    um efeito restritivo

 

Tratamento das paresias e paralisias do IV nervo e músculo oblíquo superior

 

O tratamento da paralisia do músculo oblíquo superior (OS) passa necessariamente por um diagnóstico preciso e pela análise de suas conseqüências como: disfunção secundária de outros músculos extra-oculares (em especial do músculo antagonista, o oblíquo inferior), presença de diplopia e posição viciosa de cabeça. As contraturas de outros músculos extra-oculares, secundária à paralisia do OS, devem ser investigadas através da medida do estrabismo nas nove posições do olhar, bem como através das medidas com a cabeça inclinada (teste de Bieschowsky e teste de Bicas) e, em alguns casos, através do teste de dução forçada.

 

O uso de prismas pode ser útil em alguns casos de paralisia do OS, com o objetivo de evitar a diplopia. Entretanto, o seu uso é limitado, pois o desvio causado pela paralisia do OS geralmente é incomitante. Outro aspecto importante é que os prismas não corrigem a torção ocular, a qual pode estar presente principalmente nas paralisias adquiridas bilaterais do OS. A indicação de cirurgia para os pacientes com paralisia de OS ocorre quando existe diplopia, posição anômala de cabeça ou estrabismo de médio ou grande ângulo.

 

As características anatômicas peculiares do músculo oblíquo superior como: extenso trajeto, tendão longo e passagem pela tróclea fazem dele o músculo extra-ocular mais associado a anomalias na formação e na inserção no olho. As anomalias podem ser: ausência total ou parcial do OS, inserção anômala na cápsula de Tenon ou no globo ocular e tendão mais longo do que o normal. Essas alterações podem levar a um quadro clínico de enfraquecimento da ação muscular. Devido à freqüência dessas alterações alguns autores chegaram a fazer uma nova classificação das paralisias congênitas relacionada às más formações do OS.

 

As paralisias congênitas unilaterais do OS geralmente não causam diplopia devido às adaptações sensoriais que ocorrem durante o período de plasticidade sensorial na infância. Entretanto, elas podem causar posições viciosas de cabeça (inclinada para o lado oposto ao olho acometido, às vezes associada a assimetria facial) e desvios verticais incomitantes e intermitentes de grande ângulo, devido ao aumento da amplitude de vergência fusional. A posição viciosa de cabeça ocorre para compensar o desvio vertical na posição primária do olhar. Muitas vezes o estrabismo causado pela paralisia congênita do OS só se manifesta na adolescência ou na idade adulta. Nestes casos, pode ocorrer diplopia devido a descompensação de um desvio latente.

 

As indicações cirúrgicas nas paralisias congênitas unilaterais do oblíquo superior são devidas a posição viciosa de cabeça ou nos casos de desvio de grande ângulo. O músculo a ser operado dependerá da posição do olhar onde o desvio for maior. É freqüente nas paralisias congênitas observar uma grande hiperfunção do músculo antagonista, o oblíquo inferior ipsilateral. Sendo assim, é imperativo o debilitamento deste músculo. Existem várias técnicas para o recuo do músculo oblíquo inferior. Pode-se também realizar o recuo com anteriorização da inserção do mesmo. Se o desvio na posição primária for maior do que 15 dioptrias prismáticas (DP), a cirurgia associada a outro músculo extra-ocular se torna necessária. Geralmente o enfraquecimento do músculo reto inferior contra-lateral é a melhor opção, pois ajuda a corrigir o desvio na posição lateral onde geralmente existe o maior desvio. O encurtamento do tendão do músculo oblíquo superior pode também ser realizado nas paralisias congênitas. As técnicas mais utilizadas são o ressecamento, o pregueamento (tuck) ou a técnica descrita por Harada Ito. Elas devem ser realizadas quando não se observa uma hiperfunção secundária significativa do oblíquo inferior e no teste de dução forçada percebe-se a presença de um tendão frouxo. As técnicas de encurtamento do OS geralmente causam uma limitação de elevação do globo ocular em adução (Síndrome de Brown iatrogênico).

 

O estrabismo vertical causado pela paralisia unilateral do oblíquo superior pode levar a uma contratura do músculo reto superior ipsilateral, o que torna mais comitante o desvio vertical nas latero-versões, podendo até tornar o desvio vertical maior no campo lateral do olho acometido. Nestes casos, é necessário realizar o debilitamento do músculo reto contraturado, muitas vezes não realizando cirurgia nos músculos oblíquos.

 

As paralisias congênitas e adquiridas bilaterais dos OsSs geralmente são assimétricas e muitas vezes o diagnóstico diferencial pode ser difícil .Os sinais inequívocos da paralisia bilateral são: inversão da hipertropia nas posições secundárias ou terciárias do olhar ou inversão da hipertropia com a cabeça inclinada (sinal de Bielschowsky positivo em ambos os lados). Outros sinais de bilateralidade são: torção ocular geralmente acima de 10 graus e anisotropia em “V” . Esta anisotropia é causada porque no olhar para baixo os OsSs são abdutores e com o enfraquecimento nas paralisias duplas, os olhos tendem a apresentar um desvio convergente no olhar na infraversão. O tratamento da anisotropia em “V” nas paralisias duplas pode ser realizado pelo recuo do reto inferior de ambos os olhos 42. O desvio vertical na posição primária geralmente é menor do que na paralisia unilateral, porém este achado são serve como diagnóstico diferencial. O tratamento das paralisias duplas, como acontece das paralisias unilaterais, geralmente é o debilitamento dos oblíquos inferiores, podendo ser inclusive de forma assimétrica. A cirurgia associada nos retos verticais dependerá da magnitude do desvio e da variação do mesmo nas diversas posições do olhar.   

 

O longo trajeto intracraniano e o baixo número de axônios em relação aos outros nervos cranianos são características que facilitam a lesão do IV nervo nos traumatismos cranianos.

 

Nas paralisias adquiridas de OS, a diplopia é um sintoma freqüente, principalmente nas bilaterais, quando a torção aumenta significativamente. A posição de cabeça também pode estar presente, mas o desvio geralmente é menor do que nas paralisias congênitas, com exceção quando existe disfunção de outros músculos extra-oculares. Quando o desvio é pequeno na posição primária do olhar (até 5 DP) e não existe hiperfunção secundária do músculo oblíquo inferior, o fortalecimento do oblíquo superior pode ser uma boa opção. Havendo um desvio maior do que 5 DP na posição primária e sinais de disfunção de outros músculos extra-oculares, torna-se necessário a cirurgia para correção dos mesmos. Nestes casos é freqüente a presença de diplopia torcional, o que não acontece nos outros tipos de paralisias de OS. Como nas paralisias duplas congênitas, a assimetria pode estar presente, sendo muito importante as medidas do desvio em todas as posições do olhar. As técnicas de fortalecimento dos oblíquos superiores, em especial a de Harada Ito, podem ser muito úteis na correção da diplopia torcional.

 

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